COMUNICADO
25 de novembro de 2022
As estruturas representativas das Artes Performativas, Música e Artes Visuais, das quais fazem parte centenas de companhias de teatro, dança, circo e outras, espaços de programação, projetos musicais, festivais, e outros projetos artísticos de todo o território português, bem como milhares de profissionais destes setores, de forma concertada, reivindicam o seguinte:
1 – Novo reforço de verbas para os apoios sustentados.
As linhas de financiamento do programa de apoio sustentado da DGArtes são dos mais importantes mecanismos do Estado para assegurar os direitos culturais inscritos na Constituição.
Apesar do crescimento e desenvolvimento qualitativo das artes em Portugal, é ainda incipiente o número de projetos de criação e difusão artística, a sua diversidade e a sua equilibrada implementação territorial. Os estudos sobre as práticas culturais têm tido resultados preocupantes e revelam que é necessário um maior investimento público para que a arte e a cultura sejam realmente bens comuns.
É também essencial que as estruturas artísticas tenham condições para levar a cabo a urgente transformação das práticas laborais, garantindo mais rendimento, proteção social e direitos laborais a quem trabalha nestas áreas.
Por seu turno, o novo quadro sócio-económico em que agora operamos, fruto da inflação galopante, tem implicações que obrigam a reequacionar as relações salariais.
Em Abril 2022 foram anunciadas verbas para o próximo ciclo de apoio sustentado, que eram mais baixas do que as de 21/22, se contarmos com uma medida de combate aos efeitos da pandemia que integrou dezenas de estruturas neste programa. Desta forma, não seria possível garantir sequer a manutenção das estruturas com este tipo de financiamento, muito menos o desenvolvimento do setor em linha com a atividade crescente e profícua das estruturas com atividade profissional. Menos ainda estas verbas possibilitariam uma real transformação das condições de trabalho e da proteção social dos profissionais, no cumprimento da lei, nomeadamente do Estatuto de Profissional da Cultura.
Cedo alertamos para esta grave insuficiência. Não seria aceitável um futuro pior em que muitas estruturas já financiadas fiquem sem financiamento, e tantas outras fiquem, novamente, sem acesso. Um futuro com menos participação cultural, com menos diversidade, com mais isolamento.
Em conjunto, no dia 28 de julho, reunimos com o Ministro da Cultura tendo exposto os nossos argumentos e pedido um reforço de verbas. Na altura, não nos foi mostrada abertura para qualquer reforço antes do conhecimento dos resultados.
Mas, felizmente, no final de setembro, bem depois de terminado o prazo de submissão de candidaturas, foi anunciado um reforço de verbas, que considerámos muito necessário e bem-vindo.
Contudo, este reforço foi destinado apenas aos concursos quadrienais, com a justificação de que haveria uma grande migração de candidaturas da modalidade bienal para a modalidade quadrienal. Nesse momento, através de um e-mail conjunto enviado ao Ministério da Cultura, muito antes da divulgação de quaisquer resultados, questionámos essa opção de distribuição e explicámos que assim se colocariam em causa as escolhas das estruturas no momento da candidatura. Até hoje não tivemos qualquer retorno do Governo.
Com a divulgação dos resultados provisórios, revelou-se que a tal migração de candidaturas não aconteceu em tão grande medida e que a opção do Governo veio, afinal, criar uma assimetria injustificada entre as duas modalidades que é lesiva para algumas candidaturas.
Defendemos que este reforço deveria ter garantido a equidade entre todos os concursos face ao disposto no aviso de abertura, e devia ter sido aplicado proporcionalmente aos quadrienais e aos bienais.
Não se tendo verificado em setembro, é necessário que o Governo o retifique agora, atribuindo novas verbas aos concursos.
Sem este equilíbrio, altera-se o panorama expectável com que se fizeram as candidaturas e que baseou as decisões que as estruturas tomaram, nomeadamente a escolha da modalidade, bienal/quadrienal, ou do patamar de financiamento. Deste modo, são frustradas as estratégias de apresentação a concurso legítimas de algumas entidades candidatas e fica em causa o próprio princípio de concurso público, transparente e justo.
Vejamos, em todos os concursos cujos resultados provisórios já conhecemos, verifica-se uma grande discrepância entre a percentagem de candidaturas financiadas nos concursos quadrienais e bienais.
Apesar da significativa percentagem de candidaturas propostas a serem apoiadas, em função das candidaturas elegíveis na modalidade quadrienal, é com grande preocupação que olhamos para a percentagem de aprovação das candidaturas propostas para apoio na modalidade bienal – 100% vs 40% no caso da Dança, 95% vs 60% no caso da Música e Ópera, 82% vs 61% no caso dos Cruzamentos Disciplinares, Circo e Artes de Rua 93% vs 28% no caso das Artes Visuais e 83% vs 28% no caso da Programação.
É importante clarificar que, na modalidade bienal, nos resultados conhecidos até agora, tal como é referido pelo próprio júri, a não atribuição de apoio, na maior parte dos casos, não resulta de uma avaliação desfavorável por parte do júri, mas do esgotamento da verba disponível.
Os resultados provisórios mostram bem que não há justificação para que o reforço anunciado em setembro tenha ido apenas para a modalidade quadrienal. Sendo importante a aposta na estruturação do tecido artístico e no financiamento sustentado, é evidente que o Governo não fez uma boa escolha.
Sem uma correção, estes concursos trarão, na modalidade bienal, estagnação no desenvolvimento do tecido artístico, limitando o acesso de muitos projetos importantes ao financiamento sustentado e pondo em causa a continuidade de algumas estruturas que deixam de ter financiamento. No caso destas estruturas, deita-se por terra todo o trabalho até aqui desenvolvido e financiado publicamente, comprometem-se postos de trabalho permanentes, bem como um número significativo de contratos de trabalho ao longo do biénio, que muito contribuiria para o combate à precariedade tão necessário. Há também o subaproveitamento de tantas outras estruturas que poderiam agora aceder pela primeira vez aos apoios sustentados e fortalecer a sua atividade, criando projetos relevantes e sustentando boas condições de trabalho para profissionais.
É fundamental que o Governo corrija este erro. Para tal é necessário um reforço do financiamento para estes concursos, que garanta a mesma proporção entre modalidades face ao aviso de abertura. Consideramos ser desejável e possível que, nestes concursos, este reforço de verba possibilite o financiamento a todos os projetos artísticos elegíveis em cada um dos concursos. Esta reivindicação é sensata, exequível e necessária!
Relembrando que, só em 2022, está previsto que fiquem por gastar quase 140 milhões de euros da parte do Orçamento do Estado destinado ao Ministério da Cultura.
2 – Divulgação urgente dos resultados do concurso de Teatro
Mais uma vez, verificamos o atraso na divulgação dos resultados face ao que está estabelecido nos regulamentos, o que aconteceu em todas as áreas, sendo que os resultados do Teatro não são ainda conhecidos, nem há previsão de quando serão. Da parte da DGArtes e do Governo, tem havido falta de comunicação com as estruturas candidatas, na justificação deste atraso ou sequer um pedido de desculpas pelo incumprimento. No caso do Teatro, é inevitável o prenúncio de exclusão, principalmente para as estruturas que se candidatam pela primeira vez, apesar de, injustamente, terem estado impedidas de o fazer em 2022, por se tratar de um ano "zero".
A falta de comunicação atempada dos resultados revela, mais uma vez, a incapacidade do ministério na gestão dos seus recursos e na avaliação da realidade atual do setor e dos meios necessários para estes concursos. Por outro lado, estes atrasos colocam as estruturas candidatas em situação de incumprimento do seu Plano de Atividades proposto na candidatura, veja-se o exemplo do Teatro, cujos resultados continuam por comunicar à data de hoje. Não sendo ainda conhecidos os resultados provisórios, é previsível, tomando por exemplo a experiência em ciclos de apoio anteriores, que o financiamento não chegue às estruturas que venham a ter apoio, antes de março ou até abril de 2023. No entanto, os seus planos de atividades têm início a 1 de janeiro de 2023. Assim, fica em causa, pelo menos, a atividade do 1º trimestre do ano, o que origina adiamento ou cancelamento de atividades; suspensão da contratação de profissionais e dos seus rendimentos; uma enorme dificuldade em fazer face a despesas fixas, como o pagamento de rendas, gerando situações de incumprimento e endividamento. E, se habitualmente as estruturas tentavam construir uma pequena almofada financeira para fazer face a esta realidade, este ano, as novas obrigações decorrentes do Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura esgotaram quaisquer reservas existentes.
3 – Abertura do Concurso para Apoio a Projetos
Passa já quase um mês da data prevista para a abertura dos Apoios a Projeto, determinada pela própria DGArtes e divulgado na sua Declaração Anual. Este atraso é grave, e são, mais uma vez, logradas as expectativas criadas junto do tecido artístico. Não existe qualquer justificação para este atraso, tendo as questões de várias estruturas à DGArtes sobre a abertura destes apoios, tido como resposta que se aguarda indicação superior. Porque é que não existe indicação superior para a realização de algo já expresso na Declaração Anual da DGArtes? Em várias declarações, no parlamento ou à imprensa, o Sr.Ministro da Cultura já indicou que estes apoios poderão servir às estruturas cujas candidaturas não sejam apoiadas nos Apoios Sustentados. Essas afirmações revelam, em primeiro lugar, desatenção ou desconhecimento da lei que rege os apoios. Esta lei determina o propósito de cada uma das diversas linhas de financiamento, muito diferentes em termos financeiros, em termos práticos, e em termos de missão. Qualquer estrutura que deixe de ter financiamento sustentado nunca conseguirá manter projetos, os seus compromissos e a sua equipa com um apoio a projetos.
Por seu turno, se estas estruturas concorrerem nesta linha, haverá um “esmagamento” dos projetos de artistas sem estrutura ou grupos informais, que têm aqui a única opção de desenvolvê-los.
Assim, consideramos lamentável que o Sr. Ministro da Cultura tenha feito tal sugestão, como solução à falta de resposta do Governo para um problema há muito anunciado pelo setor quanto à escassez de verbas para os Apoios Sustentados.
Destas declarações poderíamos concluir que a abertura do referido concurso estaria dependente da saída dos resultados de todas as modalidades dos Apoios Sustentados, para permitir que as estruturas não apoiadas tivessem outra "oportunidade" de obter financiamento.
No entanto, não queremos acreditar que o atraso na abertura dos concursos para apoio a projetos seja propositado e feito a pedido do Ministério da Cultura, o que constituiria uma séria ingerência, ultrapassando a lei, os regulamentos e os prazos estipulados pela Direção Geral das Artes.
Deste modo, apelamos a que o concurso para os Apoios a Projeto abra de imediato, de modo a que as estruturas, artistas e projetos pontuais, a quem esta linha de financiamento realmente se destina, não sejam mais prejudicados.
4 – Restabelecimento do diálogo entre o Ministério e o setor
Como já referimos, o Ministério da Cultura não respondeu ao que, concertadamente, as estruturas representativas do setor perguntaram sobre o reforço de verbas anunciado em setembro. Além disso, não tem respondido a várias missivas que cada uma destas organizações já lhe enviaram após o anúncio de alguns dos resultados. Temos sempre manifestado vontade e disponibilidade para colaborar no melhoramento destes concursos, mesmo quando a nossa contribuição não foi solicitada. Acreditamos que o conhecimento que temos desde dentro das diversas áreas pode ser um contributo essencial para que as políticas culturais sejam desenhadas e aplicadas da melhor forma. Assim, é com consternação que vemos que, desde julho, altura em que fomos recebidos pela tutela, houve uma quebra no interesse para esta troca. Continuamos disponíveis para dialogar e para ajudar o Governo a corrigir um erro, que poderia ter sido evitado, mas o tempo urge.
Assinam:
PLATEIA - Associação de Profissionais da Artes Cénicas
REDE - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea
riZoma – Plataforma de Intervenção e Investigação para a Criação Musical
AAVP - Associação de Artistas Visuais em Portugal
CENA - STE - Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos
Ação Cooperativista - Grupo informal de apoio a Profissionais da Cultura e das Artes