A presente crise epidemiológica que atravessa o país e o mundo não tem precedentes nos tempos vividos pelas nossas gerações. Para a ultrapassar com os menores danos possíveis, é de facto imperativo que o Governo e as instituições públicas coloquem todos os seus recursos à disposição e implementem medidas de política pública extraordinárias. O momento exige um profundo sentido de responsabilidade e de solidariedade entre todos. São as vidas de todos que estão em causa. Para além da saúde de cada um de nós, é fundamental garantir a proteção do trabalho. Para que ninguém fique para trás. Nos últimos dias, a direção da REDE - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea teve a oportunidade de auscultar os seus associados sobre as dificuldades acrescidas que enfrentam agora como consequência da crise epidemiológica de COVID19. As medidas de distanciamento social e o estado de emergência levaram ao cancelamento e/ou adiamentos de todos os espetáculos programados, com implicações sérias para um sector onde habitualmente já se vivem situações de grande precariedade. Tivemos oportunidade de fazer chegar as seguintes reflexões à senhora Ministra da Cultura, bem como ao senhor Diretor Geral das Artes:
A REDE saúda a iniciativa do Ministério da Cultura ao lançar um concurso de apoio extraordinário às artes, assim como outras medidas extraordinárias que poderão aliviar algum do impacto negativo sobre as entidades culturais. Saudamos o comunicado da DG Artes que considera o respeito pelos planos de pagamento previstos, independentemente de as atividades das entidades visadas serem reagendadas ou canceladas. Saudamos igualmente o testemunho da Senhora Ministra sobre o compromisso das instituições do Estado em manterem os pagamentos, na íntegra, das atividades agendadas que foram objeto de cancelamento, o que pode inspirar as boas práticas de outros agentes. No entanto, alertamos para o facto de a presente situação pôr a descoberto a verdadeira natureza da atividade laboral do sector, que é maioritariamente intermitente, não permitindo a um enorme número de profissionais sequer aceder ao apoio extraordinário da Segurança Social para trabalhadores independentes. Esta parece-nos, aliás, ser uma questão de fundo neste momento. Acreditamos que o Ministério da Cultura se deveria concentrar neste momento em garantir o apoio aos profissionais - artistas, técnicos, produtores, ou outros - que sendo lesados por esta pandemia não conseguirão aceder a nenhuma das formas de apoio, bem como aproveitar este momento complexo para trabalhar em soluções adequadas ao sector no que respeita ao direito laboral e à segurança social de futuro. Por outro lado, as artes performativas assentam num paradigma de fruição da atividade artística de forma presencial que se encontra agora ameaçado. Em todas as medidas de resposta a esta crise, esta dimensão deve ser tida em conta. Não apenas para responder ao presente, que não sabemos quão temporário será, mas para pensar no lugar singular que as artes e, em particular as artes vivas, ocupam a nível social e político — na educação, na vida em comunidade, na produção de pensamento e de conhecimento, na nossa relação connosco e com os outros, na nossa relação com o nosso corpo. Como medidas que poderiam ainda ser contempladas pelo MC, sugerimos reservar uma verba específica para fazer face aos cancelamentos que efetivamente não venham a ter resolução por outra via, visto que nem todas as entidades de programação têm a visão ou a disponibilidade de tesouraria dos teatros nacionais. Sugerimos também que seja feita uma articulação a nível internacional, que permita acudir à maior diversidade possível de situações, visto que há vários trabalhadores do sector em Portugal a colaborar com entidades de outros países, bem como entidades portuguesas com cancelamentos de atividades no estrangeiro. Sabemos também que existem várias entidades diferentes a fazer inquéritos à presente situação dos artistas e estruturas, não se percebendo a existência de nenhuma articulação entre os mesmos ou as potenciais consequências. Sugerimos que o Ministério da Cultura lidere uma coordenação deste processo que permita fazer uma leitura real das perdas e assim conseguir desenhar soluções capazes de atender às necessidades reais e com uma dimensão de resposta proporcional ao problema.