REDE - Associação para a Dança Contemporânea

Declaração de Boas Práticas para o Sector das Artes e da Cultura em tempos de pandemia Covid-19

Desde o final de Fevereiro, a emergência de saúde pública conduziu progressivamente ao encerramento de todos os espaços culturais e à impossibilidade de realização de eventos em espaço público. O sector cultural foi um dos primeiros a sofrer com as medidas para contenção da pandemia e será um dos últimos a retomar a atividade nas condições pré-existentes, ficando exposta de modo dramático a sua fragilidade, sobretudo pela natureza precária do trabalho de uma larga maioria de profissionais e estruturas independentes.

São muitos os que não dispõem de contratos ou não conseguem de forma regular fazer descontos para a Segurança Social ficando, por isso, sem acesso a qualquer tipo de proteção social. Para além disso, os valores auferidos em condições normais pela maioria destes profissionais não permitem efetuar poupanças para enfrentar um período como o que estamos a viver, deixando-os numa situação de enorme precariedade.

Reconhecemos que os impactos são transversais a todas as organizações culturais e profissionais da cultura. No entanto, os impactos mais substanciais desta crise acometem sobretudo aqueles que estão menos protegidos pelo sistema de apoio social, nomeadamente uma maioria de trabalhadores independentes.

Lançamos por isso um repto a todas as organizações culturais públicas e privadas para que procurem agir em conformidade com a seguinte declaração de boas práticas, elaborada com base na convicção de que os princípios éticos e solidários são aqueles que devem nortear a nossa resposta enquanto profissionais, face à atual emergência, no período de retoma da atividade e no futuro.

Apenas juntos poderemos contribuir para a sustentabilidade, coesão e bem-estar da comunidade de profissionais das artes e da cultura, nomeadamente adotando determinados princípios e ações, ainda que possamos não estar formalmente obrigados a eles:

Diálogo

1. As organizações e instituições culturais públicas e privadas devem promover o diálogo com todos aqueles que foram afetados pela suspensão das atividades programadas na perspetiva de encontrar em conjunto soluções justas e adequadas à atual situação de crise.

2. O diálogo deve abranger todos aqueles com quem as organizações e instituições mantêm relações contratuais formais ou informais, contínuas ou pontuais.

3. Importa reforçar a obrigação moral e ética de resposta àqueles cujos vínculos com as organizações carecem de contrato ou se estabelecem numa base informal e na expectativa de uma atividade.

4. Para além dos artistas, produtores, técnicos, associações e outras estruturas culturais é essencial considerar todos aqueles sem os quais a realização das atividades não seria possível, tais como vigilantes, assistentes de sala, mediadores e os inúmeros técnicos especializados que justamente têm sido referenciados como os “invisíveis” da cultura.

5. É fundamental que a partir desse diálogo seja alcançada de forma célere uma solução clara para as atividades suspensas, o que poderá traduzir-se no seu cancelamento, reagendamento, conversão ou outra.

6. Qualquer uma das opções alcançadas deve ser decidida em comum acordo por todos os intervenientes, no respeito das obrigações contratuais e no esforço moral, ético e solidário de proteger os que estão numa situação de maior fragilidade.

7. Espetáculos, workshops, aulas, seminários, visitas guiadas, ações de formação, conferências, entre outras, são atividades que fazem parte da oferta e diversidade cultural das programações e que face à sua suspensão devem ser consideradas com o mesmo sentido de responsabilidade e rigor, na busca de soluções.

8. Em caso algum, no contexto atual, os pagamentos já efetuados devem ser pedidos de volta, seja no presente seja nos acordos agora definidos.

Cancelamento

9. O cancelamento definitivo da atividade poderá ser uma forma concreta e segura de fazer face à corrente situação de incerteza e à dificuldade em garantir condições apropriadas ao seu adiamento.

10. Nos casos em que as partes estejam de acordo sobre o cancelamento das atividades, as organizações devem cumprir integralmente os compromissos assumidos, pagando não só as despesas já efetuadas pelos prestadores de serviços como todos os honorários previstos.

11. As organizações que estejam em posições intermédias nos processos de contratação têm o direito, e o dever, de exigir estes pagamentos e proceder ao pagamento proporcional e equitativo dos trabalhadores envolvidos na atividade cancelada, designadamente autores, artistas, técnicos e outros profissionais e organizações.

Reagendamento

12. A opção pelo reagendamento das atividades deve corresponder às expectativas de todos os intervenientes, no respeito pelo equilíbrio e relevância das programações e pelo salutar desenvolvimento dos projetos, sem esquecer a adequação dos processos de criação e/ou montagens.

13. O reagendamento deve ter em conta que as condições inicialmente acordadas para a realização das atividades agora suspensas se modificaram face ao quadro pandémico, donde decorre a necessidade de proceder à alteração das mesmas, em particular no que diz respeito a projetos ainda em desenvolvimento ou criação.

14. É por isso essencial que sejam cumpridos na íntegra todos os pagamentos inicialmente acordados, acrescidos dos valores decorrentes do aumento de serviços, trabalhos complementares ou alterações logísticas, nos casos em que tal se verifique.

15. É importante que o faseamento desses pagamentos tenha em conta que as maiores perdas dos profissionais independentes ocorrem no imediato. É pois no momento presente que deve ser feito o pagamento da maior percentagem possível dos valores acordados. No mínimo, devem ser pagos, logo que possível, os valores relativos a honorários e despesas logísticas efectuadas ou em compromisso.

Conversão das atividades

16. As atividades suspensas podem também ser convertidas ou substituídas por atividades de natureza diferente daquela que foi inicialmente prevista.

17. A possibilidade de converter temporariamente as atividades presenciais em atividades não presenciais de formato digital pode ser uma via estimulante para todos os intervenientes, mas importa analisar em conjunto a adequação dessas atividades a estes formatos, considerando as suas especificidades técnicas e artísticas, a necessidade de enquadramento e coerência no âmbito de cada programação cultural, bem como a sua respetiva mediação.

18. É importante salientar que o meio digital exige um outro tipo de saber-fazer e que nem todos os autores se sentem capazes na relação com esse meio, nem na criação de conteúdos para meios diferentes daquele em que trabalham habitualmente.

19. A concretização destas atividades deve respeitar integralmente as obrigações contratuais no que diz respeito ao pagamento de honorários e outras despesas associadas, distinguindo inclusive aquilo que é a conversão de uma atividade daquilo que é a criação de uma nova atividade.

20. Do mesmo modo, a programação de atividades online deve desenvolver-se no respeito pelos direitos de autor e direitos conexos.

21. Para além do online, devem ser equacionadas outras formas de conversão das atividades suspensas, nomeadamente em processos de investigação, experimentação, documentação ou reestruturação de arquivos, em que a necessidade de isolamento social fica salvaguardada e existe um contributo igualmente válido para o desenvolvimento do pensamento crítico e fruição artística, de forma indireta ou num outro momento temporal.

22. Atendendo aos longos períodos em que os espaços culturais estarão encerrados ao público, é importante tomá-los como um recurso para a continuidade da atividade profissional, pelo que se deve considerar a possibilidade de os transformar em espaços de incentivo à investigação, estudo ou criação.

Retoma da atividade presencial

22. A retoma da atividade presencial deve ser orientada por medidas de segurança sanitária e sustentabilidade pensadas para as especificidades do sector cultural nas suas diversas áreas de atuação e tipologias de organização, tendo em conta os públicos e os profissionais envolvidos, bem como as recomendações da Direção-Geral de Saúde.

23. Devem ser elaborados planos de segurança que discriminem os procedimentos a adotar nos diferentes casos, de atividades internas aos espaços e organizações, de atividades desenvolvidas em relação com outros profissionais e colaboradores externos e de atividades públicas, nos diferentes momentos de desenvolvimento da atividade (criação, montagem e apresentação), bem como em diferentes tipos de espaço (interior, exterior, espaço público).

24. Os procedimentos a adotar devem contemplar uma dimensão ética, garantindo o respeito pelas liberdades individuais de todos os envolvidos e pelo direito à informação, num ambiente de diálogo, confiança e tranquilidade.

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